domingo, 2 de dezembro de 2007

As lições da “bolha americana”

O que está acontecendo hoje nos Estados Unidos e espalhando-se por outros países europeus (Inglaterra, Suíça, Alemanha. etc) é simplesmente inacreditável para alguém, como eu, que trabalhou numa grande corporação financeira americana e conhece os padrões de crédito e controle existentes. Tínhamos limite de risco de crédito por cliente, limites por setores da economia aqui no país, na América Latina e no mundo todo. Cheguei a negar crédito para um dos maiores grupos siderúrgicos do país pois, o limite de crédito para o setor siderúrgico na América Latina, estava tomado. Difícil explicar para o cliente mas fácil de entender para nós que seguíamos rigorosamente a disciplina da organização. Além disso as inspeções de crédito anuais avaliavam não só a situação da carteira de crédito da organização como também se os procedimentos estavam sendo seguidos adequadamente. Sem contar, ainda, com as fiscalizações periódicas do Banco Central que, infelizmente, hoje é mais conhecido como “Copom”.

Portanto, com esse tipo de cultura, não conseguimos entender como e porque estamos vivendo uma “crise de crédito” internacional das mais importantes da história. O que se viu (e ainda se verá) no mercado imobiliário americano foi a quebra ou inobservância de todos os padrões existentes para fazer com que as organizações crescessem seus ativos e gerassem mais lucros (para os acionistas) e bônus para os executivos. Além da irresponsabilidade de quem permitiu que tal acontecesse, onde estavam as auditorias internas e externas e a própria autoridade americana (o FED), que também faz visitas periódicas aos bancos para avaliar como vão as coisas. É inacreditável que todo esse pessoal, teoricamente bem preparado, não tivesse percebido que uma “bolha imobiliária” estava sendo formada e que um dia, certamente, estouraria. È o abandono total dos valores antes existentes em favor da euforia de ganhar dinheiro fácil (muita gente levou bônus polpudos para construir essa verdadeira calamidade). Sim, calamidades também podem ser construídas, e essa da “bolha imobiliária” é uma delas.

O pior de tudo é que o problema que está atingindo gigantes do sistema bancário internacional está longe do fim. A inadimplência arrasta-se para outros setores o que faz com que os bancos busquem empréstimos e capital no mercado para que possam absorver mais prejuízos no futuro próximo. E quando o FED vem a público (como fez Bernanke no fim da última semana) informando que o Banco Central Americano continuará a ser “excepcionalmente alerta e flexível” , ele não faz mais do que sua obrigação. O mercado gostou do que ouviu, reagiu bem. Entretanto, para quem viveu sua vida dentro de um desses grandes bancos internacionais e já conviveu com outras crises no passado, essa manifestação da autoridade americana não é novidade alguma. O FED não pode deixar que um desses grandes bancos torne-se inadimplente, pois o efeito “cascata” seria irreversível. O FED já está atento desde o começo da crise, e como faz parte dela (falhou grosseiramente na supervisão) tem a obrigação de ajudar a resolvê-la com mais dinheiro ou redução na taxa de juros. Uma quebra no sistema americano levaria o sistema financeiro global de roldão.

Que lições podemos tirar de tudo isso no Brasil. Felizmente a situação aqui é diferente, o sistema financeiro está sólido, crescendo e gerando lucros. Aparentemente não há bolhas escondidas por aí, embora os financiamentos de autos estejam excessivamente flexíveis e podem dar dor de cabeça no futuro.

O cuidado que temos que ter daqui para frente - e essa é a grande lição, no meu modo de ver - é a necessidade dos bancos cresceram agressivamente no próximo ano para atender as perspectivas de lucros geradas quando da abertura de capital. Além de todos os bancos estarem buscando crescimento nas suas carteiras de crédito (o que é bom para o desenvolvimento do país) , aqueles que abriram capital recentemente têm grande responsabilidade com seus novos acionistas. Portanto, vamos continuar mantendo os dois pés no chão e não afrouxar nos padrões de crédito para poder crescer. A disciplina de crédito deve ser mantida, as auditorias efetuarem seu trabalho de avaliação dos riscos e dos controles, e a própria autoridade (o Banco Central do Brasil) não esquecer de suas responsabilidades de também ser agente fiscalizador.

Com toda essa crise mundo afora, nossa economia vai indo relativamente bem, e as perspectivas são de que os “países emergentes” serão os menos afetados em 2008. Uma recessão nos Estados Unidos certamente criaria problemas para todo o mundo, mas nós podemos tirar algumas vantagens pois “é nas crises que geram as grandes oportunidades”. Basta não cometermos os mesmos erros e entender que a fase de “céu de brigadeiro” já se foi em 2007.