domingo, 7 de outubro de 2007

A CPMF e o Plano Brady

O ministro Mantega declarou no final da semana que o Governo irá lutar para prorrogar a CPMF, com a alíquota atual de 0,38%, até 2011. Ao mesmo tempo, as “lideranças empresariais” consideram o imposto indevido e, portanto, querem simplesmente a extinção dele no fim deste ano. Como o Governo possue cargos e verbas para negociar com os congressistas, todos já sabem qual será o resultado; a CPMF prorrogada por mais 4 anos, da maneira como está. E daqui a 4 anos, com a verba da CPMF certamente maior do que os R$ 38 bilhões atuais, teremos repetição do mesmo filme. Especialmente porque, em 1999, prorrogou-se novamente com a elevação da alíquota para os 0,38% atuais com o objetivo de ajudar o Governo a fazer frente com as despesas da Previdência Social. E como a Previdência é um verdadeiro “saco sem fundo”, ninguém conseguirá tirar do Governo essa dinheirama de uma hora para outra.

Diante dessa realidade, gostemos ou não dela, a única alternativa que cabe às “lideranças empresariais” é apresentar uma proposta alternativa através da qual a CPMF seja gradativamente reduzida até deixar um resíduo que é importante para a Receita Federal colocar na “malha fina” aqueles que tentam driblar a lei. Efetuamos nossa proposta em artigo anterior aqui neste mesmo Jornal do Brasil - redução anual de 0,03%, durante 10 anos , iniciando-se já a partir de 2008, com a alíquota reduzida para 0,35%, até chegarmos a 0,08% em 2017 , que seria a alíquota definitiva daí para frente - e a repercussão foi nenhuma. Cada uma das partes permanecem nas suas trincheiras.

Essa verdadeira batalha da CPMF faz-me lembrar do Plano Brady, período em que participei ativamente das negociações. Na década de 80 vários países emergentes (inclusive o nosso Brasil) estavam endividados e não conseguiam honrar seus compromissos. Do outro lado, os bancos credores ( na maioria estrangeiros) insistiam em receber seus créditos o mais rápido possível. Como resultado desse impasse, eram acordadas prorrogações de prazos curtos (alguns anos) e, no vencimento, novamente todos em volta da mesa para alongar a dívida um pouco mais. Todos sabiam que não seria paga naquelas condições, mas o objetivo era ganhar tempo pois os bancos não podiam assumir perdas daquelas proporções (bilhões de dólares).

Finalmente, surge o ministro norte-americano Brady com um plano - que veio a ser conhecido como Plano Brady - através do qual os países teriam até 25 anos para pagar suas dívidas e os bancos assumiam algum prejuízo ( desconto de até 35% ). Muitas discussões, diversas modalidades de títulos foram criados ( alguns com garantias outros simplesmente “clean”) e finalmente os acordos foram implementados. No caso do Brasil as reuniões para implantação do Plano Brady iniciaram-se em 1991 , em Nova Iorque, e foram finalmente acordadas e assinadas em 1994.

E o que aconteceu de lá para cá. Apesar de várias crises ( sudeste asiático, Rússia, Brasil, etc) o Plano Brady continuou vivo , com flutuações dos preços dos títulos no mercado, mas os países continuaram honrando-o conforme acordado. Hoje , Outubro de 2007, o Plano Brady passou para a história. Todos os compromissos foram honrados, e vários países, incluído o Brasil, recompraram seus próprios títulos no mercado. Não temos mais acordo com o FMI, as preocupações com o Plano Brady não mais existem e possuímos um colchão de reservas internacionais superior a US$ 160 ,0 bilhões.

Será, pois, que não está na hora de efetuarmos o “nosso” Plano Brady para resolver, de vez, o problema da CPMF ? Com um prazo de 10 anos o Governo teria condições de absorver anualmente uma queda de arrecadação de R$ 3 bilhões (em moeda atual) e o povo, assim como as empresas, teriam suas contribuições reduzidas em 0,03% a cada ano. Assim, em 2011, ao invés de estarmos pagando 0,38%, que é o que irá acontecer se nada for feito, com o parcelamento decrescente proposto já estaríamos pagando 0,26%.

Espero, pois, que o bom senso prevaleça e que as “lideranças empresariais” , o Congresso e o Governo juntem seus esforços em torno de um denominador comum .
Prezados leitores e leitoras


Como já tivemos oportunidade de informar, o blog é uma experiência nova para mim e para meu filho Ricardo, responsável pela parte técnica. Este é um blog que foi feito em família , há menos de um mês, pois conto ainda com minha filha Claudia como revisora especial dos meus textos.

Sabemos, pois, que temos muito a melhorar e é o que procuraremos fazer já a partir da próxima edição , dando um pouco mais de dinamismo às notícias e comentários. Isto é, durante a próxima semana teremos informações novas sempre que elas se justifiquem e possam ser do interesse de quem nos acompanha.

O número de visitas ao nosso blog vem crescendo mas o que sentimos é a falta dos comentários daqueles que nos lêem. Esperamos ter uma interação maior com os leitores, principalmente recebendo críticas e sugestões de como melhorar essa nossa iniciativa.Temos recebido ofertas para “sediar” nosso blog em sites de grandes jornais do Rio de Janeiro e São Paulo mas ainda não nos sentimos preparados para tomar tal decisão. Estamos vivendo e aprendendo a cada minuto, e a colaboração dos leitores e leitoras é muito importante para nós.

Gratos pela visita e eventual colaboração.

Alcides Amaral

Ainda a CPMF

“Em troca da CPMF, aliados vão controlar R$ 686 bilhões¨ é a manchete do jornal O Estado de São Paulo deste domingo. Em reportagem extensa - que vale à pena ser lida - o jornal afirma que “Cargos incluídos na barganha administram verbas que equivalem a 27,2% do PIB”. É exatamente o que estávamos dizendo em artigo publicado no dia 30 de Setembro no Jornal do Brasil quando propúnhamos uma solução definitiva para resolver o “problema” CPMF . Solução esta que voltamos a insistir no artigo de fundo desta semana no nosso blog.

É lamentável que diante dessa situação - o Governo loteando cargos e verbas sem limites - as “lideranças empresariais” ( que, na verdade, não sei exatamente quais são ) ainda insistem em querer que a CPMF seja simplesmente extinta. . É uma batalha inglória, pois se uma proposta alternativa não for defendida pelas “lideranças empresariais”, pela imprensa e pelo povo em geral, a CPMF será prorrogada até 2011 e daqui a 4 anos veremos a repetição do mesmo filme ( o Governo, seja ele qual for, negociando cargos e verbas para novamente prorrogar a CPMF, cujo volume financeiro será, com certeza, bem maior do que os R$ 38 bilhões atuais.

Embora seja jornalista formado pela Cásper Líbero, aqui em São Paulo, minhas contribuições para a imprensa são eventuais - e virtuais - e tem pouco peso, se é que tem algum. Mas como presidente do Citibank que fui, e que vivi ativamente os últimos 20 anos do País nas áreas econômicas e política, conheço bem como problemas mais difíceis que a CPMF foram resolvidos e, portanto, minha opinião tem que ser ouvida. Além disso, como “banqueiro”, participei de diversas negociações que é o que acabamos fazendo quando um credor não pode pagar o que deve. No caso da CPMF o mesmo acontece, pois o Governo alega - e com razão - que não pode “perder” de uma hora para outra R$ 38 bilhões que fazem parte indevidamente do orçamento. Casos assim, só com parcelamento da “dívida” (no caso “dívida do Governo” com os contribuintes) chegaremos a um denominador comum. Se houvesse um “banqueiro” no Congresso, que negociasse visando o bem da instituição e não dos seus interesse individuais, o problema já estaria resolvido.

Não podemos , pois, permitir que continuemos com essa “barganha política”, caríssima para o Governo e todos nós, a cada 4 anos. As “lideranças empresariais” , que também sabem negociar quando é preciso, que usem sua força para que a CPMF deixe de ser um problema eterno e parrem de bater na tecla errada. Gostaria , muito, de debater, em qualquer fórum, o assunto CPMF , pois depois de 3 anos renegociando a dívida externa brasileira ( de 1991 a 1994 ) creio que aprendi algo que pode ser útil para o País e nós contribuintes.

Relembrando

Em abril de 2004 publicávamos no jornal O Estado de São Paulo artigo comemorando os 10 anos de Plano Brady. Muito questionado ao longo dos quase três anos de negociações ( de 1991 a 1994 ) , o plano trouxe muitos benefícios para o país. Quando agora propomos uma espécie de Plano Brady para resolver o problema da CPMF, vale voltar um pouco ao passado e relembrar a história desse plano que veio resolver, de vez, o problema da dívida externa brasileira. Podemos, se quisermos, repetir o êxito dessa experiência para solução do imposto que nasceu provisório e está virando permanente.


Dez anos do Plano Brady

Neste mês de abril - exatamente no dia 15 - estaremos comemorando dez anos da existência do nosso Plano Brady cuja conclusão deu-se em Nova Iorque no dia 15 de abril de 1994. Com o objetivo de buscar resolver, de vez, os problemas da dívida externa dos países endividados , o Plano Brady surgiu em 1989 sendo seu nome uma homenagem ao então secretário do Tesouro norte-americano, Nicholas Frederic Brady, idealizador do plano. Visava o reequilíbrio dos países devedores através da redução da dívida na forma de taxas de juro subsidiadas ou desconto de parte do principal. O México foi o primeiro país a beneficiar-se , seguido da Argentina e Brasil.

Enquanto os nossos parceiros levaram alguns meses para concluir o acordo, no caso brasileiro as negociações se desenrolaram por cerca de dois anos e meio pelas seguintes razões : o Brasil encontrava-se em moratória da dívida externa, sofremos nesse período o “impeachment” do ex-presidente Collor e não tinhamos condições políticas de efetuar acordo com o Fundo Monetário Internacional que era, até então, condição obrigatória. Tanto é verdade que durante as negociações , diante da falta de acordo com o FMI, banqueiros europeus e japoneses não cansavam de afirmar que estavamos perdendo tempo em Nova Iorque pois, sem FMI, nada feito.


O que se pergunta hoje, decorridos dez anos, é seu valeu à pena a adesão ao Plano Brady e se os ganhos previstos foram realmente alcançados. Na minha ótica , de quem participou ativamente das negociações representando o Citibank do Brasil ( maior credor privado do país, depois do Banco do Brasil ), estou certo de que a demorada negociação não foi em vão. Embora os ganhos financeiros previstos não tenham sido inteiramente alcançados , o Plano Brady foi e continua sendo um êxito.

Os negociadores da dívida encabeçados pelo ex-ministro Pedro Malan buscavam alcançar, na minha opinião, três objetivos principais , a saber :
- adequação dos prazos de pagamento dos novos títulos da dívida externa à nossa capacidade de geração de divisas. Quando sabemos que 67% da dívida de US$ 32,5 bilhões com os bancos privados internacionais foi transformada em novos títulos de 30 anos de prazo ( Par Bond e Discount Bond) , não há o que contestar. O C.Bond com 21,7% daquele valor veio a seguir com 20 anos de prazo e 10 de carência de pagamento do principal, ficando o restante ao redor de 15 e 18 anos;
- redução de custos através de desconto do principal e/ou redução dos juros. Cerca de US$ 4,0 bilhões de redução do principal foram de imediato obtidos através da subscrição dos Discount Bonds ( 35% de desconto, no ato) enquanto que a redução de juros prevista ao longo do tempo - algo entre US$ 3,5bi e US$ 4,5bi - não foi integralmente obtida. Os Par Bonds - que deveriam propiciar tal redução - foram emitidos com pagamento de juros de 4,0% a.a. no primeiro ano chegando a 6,00% a.a. do sétimo ao trigésimo ano. Como as taxas de juros referenciais no mercado internacional à época - os títulos do Tesouro norte-americano de 30 anos - rendiam cerca de 6,50% a.a. e a previsão era de que aumentariam ao longo do tempo, o racional era que os juros brasileiros seriam altamente subsidiados, advindo daí o ganho. O que se viu, entretanto, foi queda nas taxas ( os títulos do Tesouro de 30 anos rendem hoje cerca de 4,80% a.a.) o que fez com que a redução dos juros dos novos títulos fosse menor do que a prevista. Tanto é verdade que o governo brasileiro recomprou títulos no mercado e, do volume inicial de cerca de US$ 10,5 bi, o saldo atual do Par Bonds é de apenas US$ 1,6 bi;
- reincorporação do Brasil à comunidade financeira internacional. Da conclusão do acordo em 15 de abril de 1994 em diante o crédito foi paulatinamente voltando para o país com a reposição das linhas de comércio exterior e abrindo mercado para lançamento de títulos no mercado internacional para as empresas, bancos e o próprio governo brasileiro. Tivemos dois períodos de verdadeiro “stress” de lá para cá - em 1998 com a crise russa e 2002 quando do processo eleitoral aqui no Brasil - mas o Fundo Monetário Internacional nos socorreu com pacotes significativos de recursos para acalmar as crises.

A melhoria da nossa liquidez internacional possibilitou que honrassemos os pagamentos devidos - especialmente juros - nesses dez anos e permitiu, a exemplo do que foi efetuado com os Par Bonds, que também recomprassemos quantia significativa dos Discount Bonds, títulos que assim como os Par Bonds oferecem como garantia os “zero coupon bonds” (títulos norte-americanos de 30 anos). Com tais recompras não só reduzimos o tamanho da dívida como, também, obtivemos de volta as garantias oferecidas que foram incorporadas as nossas reservas internacionais. Hoje, dos US$ 32,5 bi renegociados com os bancos privados internacionais, restam pouco mais de US$ 14,0 bi no mercado.

Pelas dificuldades enfrentadas durante a demorada negociação - havia grande ceticismo por parte de alguns integrantes da mesa de negociação quanto a durabilidade do acordo - e os bons resultados obtidos mesmo que o financeiro acabou sendo um pouco inferior àquele previsto, creio que seria justo que o ex-presidente Fernando H. Cardoso e sua ex-equipe (Pedro Malan, Francisco Gros, Arminio Fraga, Murilo Portugal,etc) brindassem os dez anos do Plano Brady.