domingo, 7 de outubro de 2007

Relembrando

Em abril de 2004 publicávamos no jornal O Estado de São Paulo artigo comemorando os 10 anos de Plano Brady. Muito questionado ao longo dos quase três anos de negociações ( de 1991 a 1994 ) , o plano trouxe muitos benefícios para o país. Quando agora propomos uma espécie de Plano Brady para resolver o problema da CPMF, vale voltar um pouco ao passado e relembrar a história desse plano que veio resolver, de vez, o problema da dívida externa brasileira. Podemos, se quisermos, repetir o êxito dessa experiência para solução do imposto que nasceu provisório e está virando permanente.


Dez anos do Plano Brady

Neste mês de abril - exatamente no dia 15 - estaremos comemorando dez anos da existência do nosso Plano Brady cuja conclusão deu-se em Nova Iorque no dia 15 de abril de 1994. Com o objetivo de buscar resolver, de vez, os problemas da dívida externa dos países endividados , o Plano Brady surgiu em 1989 sendo seu nome uma homenagem ao então secretário do Tesouro norte-americano, Nicholas Frederic Brady, idealizador do plano. Visava o reequilíbrio dos países devedores através da redução da dívida na forma de taxas de juro subsidiadas ou desconto de parte do principal. O México foi o primeiro país a beneficiar-se , seguido da Argentina e Brasil.

Enquanto os nossos parceiros levaram alguns meses para concluir o acordo, no caso brasileiro as negociações se desenrolaram por cerca de dois anos e meio pelas seguintes razões : o Brasil encontrava-se em moratória da dívida externa, sofremos nesse período o “impeachment” do ex-presidente Collor e não tinhamos condições políticas de efetuar acordo com o Fundo Monetário Internacional que era, até então, condição obrigatória. Tanto é verdade que durante as negociações , diante da falta de acordo com o FMI, banqueiros europeus e japoneses não cansavam de afirmar que estavamos perdendo tempo em Nova Iorque pois, sem FMI, nada feito.


O que se pergunta hoje, decorridos dez anos, é seu valeu à pena a adesão ao Plano Brady e se os ganhos previstos foram realmente alcançados. Na minha ótica , de quem participou ativamente das negociações representando o Citibank do Brasil ( maior credor privado do país, depois do Banco do Brasil ), estou certo de que a demorada negociação não foi em vão. Embora os ganhos financeiros previstos não tenham sido inteiramente alcançados , o Plano Brady foi e continua sendo um êxito.

Os negociadores da dívida encabeçados pelo ex-ministro Pedro Malan buscavam alcançar, na minha opinião, três objetivos principais , a saber :
- adequação dos prazos de pagamento dos novos títulos da dívida externa à nossa capacidade de geração de divisas. Quando sabemos que 67% da dívida de US$ 32,5 bilhões com os bancos privados internacionais foi transformada em novos títulos de 30 anos de prazo ( Par Bond e Discount Bond) , não há o que contestar. O C.Bond com 21,7% daquele valor veio a seguir com 20 anos de prazo e 10 de carência de pagamento do principal, ficando o restante ao redor de 15 e 18 anos;
- redução de custos através de desconto do principal e/ou redução dos juros. Cerca de US$ 4,0 bilhões de redução do principal foram de imediato obtidos através da subscrição dos Discount Bonds ( 35% de desconto, no ato) enquanto que a redução de juros prevista ao longo do tempo - algo entre US$ 3,5bi e US$ 4,5bi - não foi integralmente obtida. Os Par Bonds - que deveriam propiciar tal redução - foram emitidos com pagamento de juros de 4,0% a.a. no primeiro ano chegando a 6,00% a.a. do sétimo ao trigésimo ano. Como as taxas de juros referenciais no mercado internacional à época - os títulos do Tesouro norte-americano de 30 anos - rendiam cerca de 6,50% a.a. e a previsão era de que aumentariam ao longo do tempo, o racional era que os juros brasileiros seriam altamente subsidiados, advindo daí o ganho. O que se viu, entretanto, foi queda nas taxas ( os títulos do Tesouro de 30 anos rendem hoje cerca de 4,80% a.a.) o que fez com que a redução dos juros dos novos títulos fosse menor do que a prevista. Tanto é verdade que o governo brasileiro recomprou títulos no mercado e, do volume inicial de cerca de US$ 10,5 bi, o saldo atual do Par Bonds é de apenas US$ 1,6 bi;
- reincorporação do Brasil à comunidade financeira internacional. Da conclusão do acordo em 15 de abril de 1994 em diante o crédito foi paulatinamente voltando para o país com a reposição das linhas de comércio exterior e abrindo mercado para lançamento de títulos no mercado internacional para as empresas, bancos e o próprio governo brasileiro. Tivemos dois períodos de verdadeiro “stress” de lá para cá - em 1998 com a crise russa e 2002 quando do processo eleitoral aqui no Brasil - mas o Fundo Monetário Internacional nos socorreu com pacotes significativos de recursos para acalmar as crises.

A melhoria da nossa liquidez internacional possibilitou que honrassemos os pagamentos devidos - especialmente juros - nesses dez anos e permitiu, a exemplo do que foi efetuado com os Par Bonds, que também recomprassemos quantia significativa dos Discount Bonds, títulos que assim como os Par Bonds oferecem como garantia os “zero coupon bonds” (títulos norte-americanos de 30 anos). Com tais recompras não só reduzimos o tamanho da dívida como, também, obtivemos de volta as garantias oferecidas que foram incorporadas as nossas reservas internacionais. Hoje, dos US$ 32,5 bi renegociados com os bancos privados internacionais, restam pouco mais de US$ 14,0 bi no mercado.

Pelas dificuldades enfrentadas durante a demorada negociação - havia grande ceticismo por parte de alguns integrantes da mesa de negociação quanto a durabilidade do acordo - e os bons resultados obtidos mesmo que o financeiro acabou sendo um pouco inferior àquele previsto, creio que seria justo que o ex-presidente Fernando H. Cardoso e sua ex-equipe (Pedro Malan, Francisco Gros, Arminio Fraga, Murilo Portugal,etc) brindassem os dez anos do Plano Brady.

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