domingo, 25 de novembro de 2007

O que esperar dos EUA em 2008

Desde meus tempos de presidente do Citibank S/A, toda vez que ia para a Europa (mais especificamente Suíça) e conversava com nossos economistas sobre a economia norte-americana, o que ouvia era, geralmente, bem diferente daquilo que ouvia quando em New York. Havia um contraste de opiniões, às vezes, significativo que me deixavam confuso. Em qual cenário acreditar ? O cenário dos europeus ou dos próprios norte-americanos ? Problema insolúvel e parece-me mais preocupante com relação ao ano de 2008.

Não há dúvidas - de lado a lado - que o mundo crescerá menos em 2008, mais por culpa da “crise imobiliária” americana do que da “velha” e adormecida Europa. Os países do sudeste asiático, China e até os emergentes (incluindo-se América Latina) serão um espécie de “salvadores da pátria” para que o PIB mundial não sofra tanto no próximo ano.

Os norte-americanos estão preocupados com a situação do seu país. Dependendo dos analistas dos principais bancos comerciais e de investimento, o temor é maior ou um pouco menor, mas ninguém fala em recessão. Falam sim em recessão do setor imobiliário que continuará a colocar pressão no crescimento da economia. O problema se alastrará para mais alguns setores mas , aqueles mais otimistas, acreditam que “a confiança do consumidor” continua elevada , o dólar fraco favorecerá as exportações norte-americanas e a inflação está sob controle. Os prejuízos oriundos dos empréstimos “sub prime” foram apenas parcialmente reconhecidos pelas instituições financeiras (cerca de US$ 42 bilhões) o que fará com que os próximos três trimestres sejam difíceis. Há, entretanto, o próprio analista norte-americano menos otimista que informa que os prejuízos do “sub prime” são superiores a US$ 100 bilhões e terão que ser absorvidos pelo sistema financeiro. A verdade é que ninguém sabe exatamente qual o “tamanho” do problema e como as instituições financeiras reagirão para buscar novas receitas. O custo do crédito nos Estados Unidos já aumentou consideravelmente, os padrões de concessão de crédito hoje são muito mais “duros”, significando menos perdas mas ,também, menos receitas.

Ainda na ótica dos analistas norte-americanos, há os mais otimistas - Merrill Lynch, entre eles - que acreditam que o FED estará atento, as taxas de juros serão reduzidas em mais 50 ou 100 “basis points” nos próximos trimestres chegando até fim de 2009 a apenas 2,0% ao ano. A economia crescerá pouco e o risco da inflação, embora existente, não deverá criar problemas maiores. Portanto, quando o FED reduz a previsão da expansão dos EUA em 2008 de 2,75% para 2,5% parece que, mesmo para o norte-americanos, o Fed “está torcendo” para que isso aconteça.

Do lado europeu , como já dissemos, o cenário á ainda mais complicado ... e bota complicado nisso. A análise fria diz que os Estados Unidos estarão em recessão em 2008, a produção e a oferta de mão de obra serão reduzidas. Tudo por causa da “implosão” do mercado imobiliário. A revista inglesa, The Economist, é dura ao afirmar que “as boas notícias estão perto do fim. A crise do mercado imobiliário entrará numa segunda, mais perigosa fase. Os preços dos imóveis cairão mais aceleradamente, afetando a saúde financeira dos proprietários e paralelamente o comportamento do consumidor”. A revista vai além afirmando que “o resultado é provavelmente os EUA enfrentarem pela primeira vez, em quase 20 anos, a queda da sua economia ser originada pelos consumidores”.

Diante desse cenário, os EUA não crescerão mais do que 2,0% no próximo ano pois o problema de crédito (hoje restrito ao crédito imobiliário) poderá afetar a área de cartão de crédito, outros créditos para consumidores e , inclusive, o crédito por atacado. O Deutsche Bank estima que o valor total por prejuízos com os empréstimos “sub-prime” chegará à casa dos US$ 400 bilhões , dos quais US$ 130 bilhões pertencentes aos bancos. Alguns bancos possuem capital suficiente para absorver perdas adicionais - essa afirmação é minha - mas não resta dúvidas que se tais previsões forem verdadeiras, o FED terá muito trabalho em 2008 para manter o sistema financeiro norte-americano sob controle.

O que nos sobra de positivo nesse quadro negro e confuso, é que há uma espécie de consenso de que grande parte dos países emergentes sentirão o impacto da redução do crescimento econômico mundial em menor escala. Será um ano de desafio, inclusive para nós, mas tudo indica que os emergentes , desta feita, não serão a causa dos problemas mas , sim, poderão se beneficiar, de alguma maneira, dessa situação constrangedora. Mas esse é outro capítulo que fica para os próximos dias.

Portanto, o que esperar dos EUA em 2008. Difícil prever. Isto nos obriga a “apertar os cintos” pois a era de “céu de brigadeiro” chegou ao fim. E torcer para que os europeus estejam errados n as suas análises, o que será menos ruim para todos nós.

10 comentários:

Robinson Rayol disse...

Bom dia, Alcides

Muito bom o artigo. O problema agora é ver quem efetivamente está mais perto da verdade, dado que americanos tenderiam a pôr panos quentes e europeus a pesar a mão nas suas análises. Bem, de qualquer maneira os dois quadros não são muito alvissareiros.
A sensação de que perdemos o bonde da história ( no caso do cenário mundial "ultra favorável" visto nos últimos anos ) é realmente muito ruim. Torçamos para que os emergentes acabem se beneficiando de alguma forma. Mas diante de uma queda no PIB-EUA "originada pelos consumidores", como você vê a nossa balança comercial neste cenário ?
E outro ponto que gostaria de saber sua opinião. A respeito desse fundo soberano sugerido pelo Min. Mantega, isso não vai implicar necessariamente em um aumento de pagamento de juros ao mercado, via aumento na emissão de dívida interna, retirando no final das contas dinheiro para investimentos ? Até porque a diferença entre os juros pagos ao mercado e o retorno dos investimentos ( via fundo soberano ) deverá ser desfavorável, creio que em todos os casos. Mais ou menos o que acontece com a "compra desenfreada" de dólares para "inchar" as reservas ( remuneração das reservas é bem menor do que o custo de captação no mercado interno para a compra destas reservas ).

Um abraço

Alcides Amaral disse...

Prezado Robinson

Grato pelos comentários. O quadro é realmente difícil e ninguém tem a resposta correta do que vai acontecer. Quanto ao impacto nos emergentes, inclusive nós aqui no Brasil, pretendo tomar esse assunto no decorrer da semana.
Quanto ao fundo soberano, você tem razão. A dívida interna aumenta a não ser que o governo faça aquilo que todos esperam que faça .... cortar seus custos. Não existe outra maneira a não ser emitir titulos em reais para comprar dólares. O que custo é alto para nós - por causa dos altos juros praticados pelo próprio governo - mas o fundo daria uma segurança adicional para qualquer choque externo. E, também, comprando mais dólares, reduziria a preocupante valorização do real que poderá reduzir bastante, para o próximo ano, nosso superavit comercial.
Enfim, não tem solução fácil, mas é bom que o governo tome alguma.
Abraços

Anônimo disse...

Prezado Alcides,

Muito interessante o artigo. Do lado americano, acho que podemos relembrar o inicio do século xxi. O mundo passava por problemas financeiros e os EUA sempre tem sua parcela de culpa, alem do que tivemos os aviões nas torres, isso pra piorar o cenário. Mas a partir dai o FED começou o ciclo de reução dos juros, até 1%. Isso foi uma medida para aquecer a economia americana e ainda injetou liquidez no mercado. Esse fato levou os americanos ao que podemos chamar de armadilha da liquidez, onde as taxas são tão baixas que não vale a pena poupar. Outro ponto que isso nos leva e que ja foi citado na the economist, o caso desse problema ser mais um ponzi game, ou seja, gastam mais do que conseguem acumular. Esses fatos foram vistos nos EUA e na Europa durante esses anos, o grand problema disso é a demora em perceber que os movimentos na taxa de juros vão custar caro, isso só foi visto agora. Mesmo o Fed subindo o juros a um tempo, a demanda demora a responder, esse defasagem chega as vezes com inadimplencia. Visto esse panorama, o fed voltou a reduzir os juros para manter a estabilidade e não gerar uma crise sistêmica, com corrida aos bancos e desestabilizar todo o sistema financeiro. Deve continuar com sua política, tendo em vista que a resposta vira defasada tambem. Mas no geral, a economia americana saira menos machucada da crise que a europeia. A Europa por outro lado, assumiu os riscos que os americanos propuseram e se viram altamente alavancados quando a bomba explodiu. E agora os analistas traçam um cenário ruim para os EUA, mas uma coisa é certa, se pra eles a coisa ficar muito ruim pra europa vai ficar pior. Continuo dizendo, a Europa é muito conservadora, principalmente no que diz respeito ao mercado de trabalho, então se os eua entrarem em um recessão muito forte, a Europa vai sofrer bastante e deve demorar mais para se recuperar.
As economias emergentes são outro ponto de análise, nesse momento o câmbio não é mais o vilão, o que não quer dizer que estão imunes. Mas isso deixa pra depois.

Grande abraço e mais uma vez parabéns pelo blog

Daniel

Alcides Amaral disse...

Prezado Daniel

È muito bom ter interlocutores como os que tenho tido que entendem do assunto e possuem também sua opinião. Isto é muito importnte, pois expressa a minha opinião que não quer dizer que seja melhor ou pior do que de outras pessoas que dominam o assunto. Grato pelos seus comentários, vamos ver quem ganha e quem perde nessa "briga".
Abraços
Alcides Amaral

Unknown disse...

Living in the United States, my perspective is a little different. Yes 2008 will not be like 2006. But the economic engine here is too big, and the financial implications in the global market too severe, for the world politicians not to soften a downturn in some form of bail-out (which I believe is already happening). But there are two other financial fronts that have a much bigger impact in my pocket.

Inflation in the United States is very high. The US government manipulates the inflation index to report a small single-digit number that is totally fabricated. For example, consider the price of gasoline: in 2001 it cost $0.90/gallon; today it costs $3.28/gallon. In a mobile economy totally dependent on transportation, how can the cost of fuel **triple** in six years and inflation remain at 3%/year? All around me, things cost today 20% more than they use to cost five years ago. Check out a recent article in Forbes magazine shedding some light on this problem: http://www.forbes.com/business/forbes/2007/1112/036.html

The other thing that impacts me is the huge devaluation of the dollar. This happened overnight and I believe is connected with the bail-out I referred to in the first paragraph above. All of a sudden, it costs me 30%-50% more to step outside of the US. The real implications of this devaluation are yet to be felt. The last time this happened, the Yen was strong and the Japanese bought billions of dollars of real estate in the US, putting great external pressure in the US economy.

Anônimo disse...

Prezado Alcides,

Vendo as notícias matinais fiquei sabendo de algumas notícias importantes sobre o Citi e gostaria que se possível o senhor comentasse sobre o impacto dessas noticias.
A primeira delas é que depois de todo esse problema o Citi pretende cortar custos, como em toda política de corte de custos, haverá uma grande lista de demissões.
A segunda é que o lucro do Citi diminuiu em U$ 5 bi, mas em contrapartida acaba de ser anunciada injeção de capital por um grupo da árabia de U$ 7,5 bi.

Como dito pelo senhor em alguns posts anteriores, o Citi está de alerta mas em um estado ainda de "no panic". O saldo final dessas informações na minha opinião aponta para uma reação do Citigroup frente à essa crise e seria um indicador que a crise (pelo menos pro Citi) estaria realmente começando a ser controlada. Isso está correto, ou ainda é muito cedo para afirmar qualquer coisa? Qual a sua opinião frente a essas notícias?
abraço e muito obrigado.

Alcides Amaral disse...

Prezado Gabriel

Thanks for your comments ; they are important for us here in Brasil.
Since I'm sure that you read portuguese, estou mudando para nossa lingua. Todos parecem concordar ( e meu artigo diz isso) que a economia mundial em 2008 não será a mesma de 2007. Os impactos não serão sentidos apenas nos EUA, mas também na Europa e alguns países emergentes. Com relação a "crise imobiliária", também conconcordo que a autoridade americana não deixará grandes bancos com problemas insolúveis (too big to fail).A situação é difícil para alguns bancos - principalmente para um grande banco europeu de quem pouco se fala - mas não veja motivo para pânico.
Quanto à inflação, interessante suas observações. Você crê mesmo que o governo dos EUA "manipula" os indices para que a inflação seja menor do que é na realidade ?
Com relação ao dólar, sofremos o mesmo problema aqui no Brasil.O real é a moeda que mais se valorizou frente a moeda americana. Ainda teremos sérios problemas pelo governo agir passivamente e permitir tal situação.
Good look.

Alcides Amaral disse...

Prezado Ricardo

Certamente que a injeção de US$ 7,5 bi dos árabes é uma ajuda e um sinal importante.Mas, infelizmente, o problema ainda não terminou. O Citi já anunciou que fará uma nova provisão de crédito de US$ 10 bilhõesno 4] trimestre e talvez reservas adicionais em 2008. O problema do Citi agora é "falta de liderança". Enquanto não contratarem em novo CEO (presidente) o mercado fica desconfiado, com um pé atrás pois todos querem saber o que êle irá fazer. O boato do corte de funcionários está no ar e creio que quando o Citi tiver o novo CEO atuando, não há dúvidas de que deverá haver corte drástico de custos.
No mais, vamos acompanhar pois tem gente pior do que o Citi nessa crise.
Abraços

Anônimo disse...

Sr Alcides, vendo o comentário do amigo Gabriel a respeito da grande desvalorização do dólar e seu comentário sobre a passividade do governo em relação à grande valorização do real, que medidas do governo seriam convenientes para a permanencia do dolar a um patamar menos prejudicial, do ponto de vista das exportações?

Alcides Amaral disse...

A estratégia do Governo hoje é compar dólares no mercado à custa de emissão de titulos do Tesouro Nacional. Vai daí, nossa divida interna está crescendo o que sacrifica mais o país pelo pagamento dos altos juros.
Para evitar-se valorização tão acentuada do dólar, existe um cardápio de alternativas( uma mais, outras menos agressivas) entregues pela FIESP. A primeira seria a eliminção da isenção de imposto de renda para os estrangeiros quando compram nossos titulos emitidos , em reais, pelo Governo. Enquanto o brasileiro paga imposto, o estrangeiro não. Uma segunda medida seria impor limite para estada de capital especulativo no Brasil. É uma medida polêmica mais que já foi adotada por alguns outros países. Queremos investimentos e capital de longo prazo. Dinheiro para especular com as altas taxas de juros e oportunidades eventuais na Bolsa são dispensáveis.
Abraços